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quarta-feira, 30 de julho de 2014

Tempo de Felino

The animals, the animals
Trapped trapped trapped 'till the cage is full

A primeira vez que eu fitei as pupilas da minha cara-metade felina, a Pan, eu finalmente entendi. Ela se movimentava sem se encostar na grade da gaiola em uma pet shop. Ela andava na jaula minúscula de um lado pro outro atraindo minha atenção com seu corpo rajado lustroso, aqueles movimentos que o leão faz dentro da jaula quando se sente ameaçado, incomodado, nervoso. Me aproximei e ela também, a patinha metade branca cortou o ar e ela agarrou a manga da minha blusa. Isso foi em 2008. 

De manhã cedo eu abro os olhos e levo algum tempo pra despertar. E esse tempo do despertar é importante, é precioso. Eu não consigo aceitar que o despertador me acorde. Eu sou teimosa. Eu tenho meu tempo. 

Eu me sinto presa, enjaulada, acuada, quando esse tempo de assimilar as coisas que é muito meu - que pode ser um piscar de olhos como pode ser um dia inteiro, uma hora inteira, um ano inteiro - é tirado de mim. E ele foi, a vida adulta me tirou isso. 

Tem dias que eu me sinto o felino andando de um lado pro outro na jaula. Já tentou acariciar um gato quando ele não quer? ele tira o corpo do alcance da sua mão com toda a força que existe nele. Eu me sinto assim. 



Quando me cobram coisas que eu julgo não merecer, dentro da minha vida "pessoal", eu me sinto assim. E me aflora irritação e desprezo. "Você não responde minha mensagem". "Você disse que ia sair comigo e não saiu". "Você não me convidou". "Você devia trabalhar menos". "Você devia arrumar um namorado". "Você - insira aqui a sua sentença de algo que você achava que eu tinha obrigação e eu não tenho. Fecha aspas. 

The cage is full, stay away
In the darkness count mistakes

A vida adulta me judiou muito nesse sentido, e merecidamente, e eu não estava preparada. Eu acordava todo dia no piloto automático porque era assim que me sentia. Não sei bem dizer quando parei e pensei "nossa, eu sou adulta", mas eu me sentia sufocada e anulada ao mesmo tempo. Apanhei tanto que aprendi uma coisa muito lógica: separar a vida em responsabilidades inadiáveis e criar prazer nelas, do grupo das coisas que eu não sou obrigada. E num terceiro grupo eu agrego as coisas que eu desejo e faço a conta do que preciso pra chegar nelas. Parece lógico mas na minha cabeça é só um emaranhado de pensamentos e reações. 

É totalmente sem sentido, eu sei. Mas de alguma forma me resolveu e eu consegui seguir em frente e criar prazer nas necessidades, mas não, eu não sei lidar bem com a jaula. Nem com as jaulas que se chamam "carreira de sucesso", "contas a pagar", "amizades por ocasião", "amores vazios". Uma hora essas coisas cansam.

Taking steps is easy 
Standing still is hard

Aquele momento que o gato se ajeita sentado e lambe as patas, passa as patas sobre os bigodes lustrando-os com zelo e cuidado, mas de olhos fechados, aproveitando a sensação e a importância do gesto, esse instante é quando eu escrevo. Lustro os bigodes. Me mantenho longe da gaiola. E tento ser adulta por mais um dia. 


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Espacinho

Desde abril que não escrevo aqui. Fico encontrando motivos: o post que necessitava de fotos, a criatividade que não veio, a falta de tempo... e aí começo a pensar em novos blogs, novos espaços, outros projetos, outros escritos. E lembro que aqui, o mais básico e simples de todo, o meu Menina Lyra, tem faltado um certo zelo.

Eu havia escrito um post muito especial sobre a relação minha - e das mulheres que conheço, as de verdade - com seus corpos, mas talvez, por motivos que eu nem quero falar agora, talvez tenha que reescrevê-lo. O fato, é que eu voltei. E estava quase colocando as amarras de sempre em mim quando me dei conta e parei no último instante e pensei "preciso voltar às raízes".

O fato é que sempre que eu preciso desabafar, refletir, me expor e ao mesmo tempo me desconstruir, é nesse espacinho com esse template bobo e simples de um gato de óculos - é aqui que eu venho.

E eu voltei. Junto com as reflexões. Mais sinceras dessa vez.

Eu prometo. Pra mim mesma, aos mesmos. Ao menos.

*



Morreu Ariano Suassuna também. Fiquei triste. O sertão chorou feito Macondo quando Gabo se foi. O mais triste foi o jornalismo que matou ele antes da hora. As vezes eu me pergunto se escolhi a profissão certa ou se a profissão é que se perdeu na escolha. Mas isso é assunto pra depois.