Virou meu sono do avesso quando eu era pranto e desgraça. Me puxou dali, da forma mais terna e selvagem do mundo. Mas eu gosto de pensar que o salvei também.
Aí me jogou na lama. Pisoteou. Me enterrou viva. Fiquei estática.
Eu dirigia pelas ruas e pensava o tempo todo, o tempo todo. Cada segundo de ócio eram pensamentos mil em suas mãos enormes. Tinha medo de esquecer seu rosto. Era o desespero por carinho.
E nada.
E nem ninguém.
E um quarto vazio. E o vento que balançava os lençóis.
Aqueles lençóis.
A ferida ficou ali muito tempo. Necrosou.
Necrosou com a sensação de falta de amor. De falta de importância. De segundo plano. Eu olhava e não via nada. E até pequenos gestos doíam. Tocar a ferida, rasgá-la de novo, over and over.
Eu fiz isso. Eu fiz isso várias vezes. Eu deixei você me dilacerar várias vezes, sempre esperando por alguma coisa.
Me deixei rasgar. Deixei que rasgasse.
Até que não tinha mais nada de mim. Nada mesmo, só uma sombra daquela mocinha de riso doce. Agora eu era mulher. O rosto sério virou o único. Eu cresci.
E agora, agora que me ama, não há mais nada em mim pra se amar. Meu amor eu direciono pra outro, pra outras coisas, pra outra vida.
Porque na necrose você nem me via.
O fantasma que eu fui agora de repente brilhava. Mas era só uma impressão de outra vida. Na verdade eu sempre estive aqui.
Até não estar mais.