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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Uma família de meninas


Somos em quatro, em casa. Quatro mulheres, quatro meninas. Quatro vezes mais esmalte e absorvente. Mãe e suas três patinhas. Eu sou a patinha do meio. 

E somos em cinco netas. Duas mães/tias/madrinha. Uma avó. 

D. Nely é uma senhora de respeito, mas não qualquer uma. Não, o respeito da minha avó é sólido, incorruptível. Ela sorri satisfeita ao ver a família reunida, e todo mundo bem, porque as coisas que ela passou na vida não foram nada fáceis, como a da maioria das mulheres que eu conheço. Seu pai, meu bisavô, costumava apostar tudo numa mesa de jogo, e eventualmente perdia tudo. Meu avô, seu marido, não é lembrado com carinho. Seu Flor, era assim que ele era chamado. 

Minha mãe tem o dedo mindinho entortado por causa do meu avô, pelo dia em que ele se irritou com alguma coisa e tentou bater nela com uma viga de ferro. D. Nely entrou no meio, com toda a fibra que lhe era oprimida no espírito, e impediu que uma mocinha de 12 anos fosse, sei lá, assassinada pelo pai num momento de fúria injustificada. Ninguém fala sobre isso. 

As mulheres na minha família de italianos são o elo. A massa concreta que liga todos os círculos, separados por diferentes cidades do Paraná. Que carregam as crises e gerenciam os festejos de Natal. Que partilham dos ensinamentos, que abrem e fecham o coração. E em quem as marcas ficam pra sempre. 

Minha avó disse pra minha irmã, em um momento qualquer, que não queria que nenhuma de nós casasse. Não, que uma família de mulheres é suficiente. Que nós temos que pensar em nós mesmas, e viver tudo aquilo que queremos. Estudar, viajar o mundo, ela disse. Minha mãe pensa assim, minha madrinha pensa assim. Nesse nosso mundo que ainda é tão cheio de raízes que dizem o oposto, elas fizeram da gente pássaros, mas não pra ficarem engaiolados, como elas foram. Em casamentos, em relacionamentos, em empregos, aos filhos, aos maridos. 

Madrinha, a segunda mãe de todas nós, voou, em algum momento. Deixou os grilhões de um relacionamento frustrado. Saiu de casa com a roupa do corpo e a filha pequena debaixo da asa. Todo enxoval caro do casamento, os lençóis e as baixelas, ela largou pra trás, sem nem olhar duas vezes. 

Ela faria uma fogueira com essas coisas se pudesse, eu tenho certeza. Tudo pra que hoje, nós, os pássaros, não precisemos lutar essas batalhas. Nós temos as nossas, algumas diferentes. Mas eu me sinto muito orgulhosa de ser dessa família de Valquírias. 

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