E com as luzes finalmente apagadas, abriu-se a cortina do teatro no centro de Campo Grande. Escuro tocado por velas artificiais no palco. E uma marcha fúnebre, muito alta, ensurdecedora. Meu coração bateu muito forte nesse instante. A cada batida da marcha dos mortos, era aqui dentro do peito. Fiquei arrepiada, amedrontada e maravilhada, tudo ao mesmo tempo.
"Vamos assistir de pertinho", eu pedi, logo de início. Sentamos na segunda fileira, tão perto que eu podia me sentir dentro do palco. Nelson me esperava, em cinco contos "rodrigueanos" de "A vida como ela é" encenados pela peça "As Noivas de Nelson", da Cia. Paulista de Teatro.
Abre aspas: o primeiro livro que eu li de Nelson Rodrigues foi "Vestido de Noiva". E aquilo me cativou, pra sempre. Aquele olhar de dramaturgo, jornalista. Irônico, pueril, e ao mesmo tempo pra constranger, incomodar. Eu sempre fui muito fã das obras dele, desse jornalista que viveu na tragédia e tirou dela suas histórias. Na semana que antecedeu a peça, eu escrevi sobre ela, entrevistando a atriz Anamaria Assis e a produtora Katia Manfredi. E já percebi que aquilo me fisgava, porque as fotos eram impressionantes. Na matéria, que eu escrevi me deleitando, feliz da vida, falei de Nelson, de noivas, de obras como "Anjo Negro" e "Album de Família". E lembrei do próprio A vida como ela é, que eu reli pouco antes de ir pra Bonito, ano passado, à trabalho. Fecha aspas.
A genialidade de "As Noivas de Nelson" está também no formato escolhido, que não é uma adaptação e sim uma encenação. Os atores reverenciam o texto o tempo todo, e extraem dele sua intensidade. Simplesmente são os protagonistas, os narradores, os personagens secundários. Em cada conto (“Excesso de Trabalho”, “O Delicado”, “O Sacrilégio”, “O Pastelzinho” e “Feia Demais”), vemos tanto do hoje e do ontem. E os atores que estão ali representando, são fortes, destemidos e intensos, tal qual suas personas.
No primeiro instante em que o primeiro ator surgiu no palco, o rosto cadavérico de cada um, as noivas de vestidos amarelados pelo tempo e o algodão no nariz dos personagens, já antecipam essa tragédia que é tão Nelson. Tão cotidiana, tão cômica ao mesmo tempo. Nelson Rodrigues acostumou-se a narrar essa vida exemplar diante dos olhos de uma sociedade que é despedaçada dentro de quatro paredes. Ele narrou a hipocrisia daqueles tempos (que ainda se parecem com o hoje), e na peça, é ela que parece fazer exaltar a morte.
Entre um conto e outro, ouvimos a voz do escritor. Entre frases desconexas e a voz rouca de Nelson, a ação acontece. E são gritos, choro, murmúrios, sentenças. Entre véus amarelados do tempo, e flores secas em buquês, a gente vê tanto do que também somos: despedaçados e trágicos em nosso perfeitos retratos distorcidos.