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domingo, 3 de março de 2013

Março desaba

Primeiro fim de semana do mês, logo esse mês. Março, o mês em que eu completo 24 anos. Nem cheguei nos 25 e já sofro por antecipação. Mas março cai do céu junto com a chuva, e nos lava todos os dias, então até agora eu tenho esquecido disso. Ou melhor, evitado lembrar. 

Domingo, 16h. Nós (fotógrafo e eu) estávamos na Orla Morena, entrevistando e acompanhando o Rolê Fotográfico, um grupo de fotografia independente aqui de CG. Acompanhamos toda a volta dos fotógrafos que registravam detalhes do bairro.

Céu azul e claridade no registro da pauta.

Quando cruzávamos uma rua estreita paralela, a chuva desabou com uma força impressionante. Simples assim. Sem aviso nem prenúncio. Minutos antes, tínhamos visto duas araras vermelhas cruzando o céu claro e muito azul pra irem se aninhar em uma copa de árvore próxima. Um nada de tempo antes, sofríamos com o calor implacável da rua.  Pouquíssimo tempo depois, água, muita água, lavou nossos corpos. 

A volta, tudo alagado.

Cheguei na redação ensopada, com os ossos gelados. O café estava frio, mas eu precisava dele pra escrever o texto. Pobre do fotógrafo, que virou escudo humano pro seu equipamento, e que muito gentilmente guardou meu bloquinho em seu colete. 

Sentei, respirei e ignorei o frio. Sacudi o cabelo úmido e comecei a tentar decifrar meus rabiscos no papel em meio aos pingos de chuva. Devo ter suspirado algumas vezes. 

Março chegou. As chuvas vieram junto, essas chuvas trôpegas mas insistentes, que fazem a cidade se converter em um alagado sem limites. E que vai embora assim mesmo, e o céu abre umas duas horas depois, o calor volta e o asfalto seca. No dia seguinte a gente também não vai prever a chegada dela. Nem no seguinte. Acho que só quando abril chegar.

Março chegou. Sempre que eu lembro do mesmo mês no ano passado, sinto um aperto no peito. Eu tinha tanta certeza sobre tantas coisas. Sobre o que eu era, o que eu queria e onde iria estar. Minhas certezas eram de ferro. E eis me aqui, vivendo outra vida, que em nenhum momento foi planejada por mim. Março me faz olhar pra trás, pra todos os dias 31 que já passei e lembrar com muita clareza desses planos que nunca floresceram. 

Eu sei que não é só culpa minha que tanta coisa esteja diferente. Que muitas coisas estão melhores. Mas as que não estão, as coisas fora do lugar, e que talvez nunca voltarão, perdidas pra sempre... essas coisas, Março não perdoa. 

Traz tudo de volta, junto com a água da chuva. 

Mas mesmo com a toda a dor dessas lembranças, sinto que não é em vão. Mesmo entre tropeços, sinto que esse mês dolorido me faz uma pessoa mais resiliente. E talvez um tantinho mais corajosa do que ontem.

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