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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Palco




"Meninalyra, como é cantar num palco?"

"É como aprender a andar de bicicleta, e um dia se ver descendo uma ladeira íngreme e perigosa. É como fazer amor e descobrir, sensorialmente, todos os orgasmos possíveis". 

"Você não sente falta?"

"Todos os dias". 

A primeira vez que eu cheguei perto de uma bateria, meu coração disparou. Eu tinha 12 anos. Estava numa festa com a família toda, e apontei pra banda de rock que tocava, e eu só conseguia enxergar o baterista, sentado numa Pearl verde-limão toda cromada. Meu ex-cunhado me disse que ia me ensinar a tocar.

Na escola, eu não tirava Nirvana do som. Oitava série, as primeiras descobertas do rock. Aos 13 e depois 14, comecei a perceber que eu era muito impaciente e diferente daquelas meninas. Não me agradava ouvir o que elas ouviam. Perdi as antigas amigas e passei a andar com a menina "estranha" da sala. Ela me mostrou outras bandas e disse que iria comprar um baixo. "Eu queria ter uma banda", eu falei. "Mas não sei tocar nada". "Você irá cantar", ela disse.

Outra festa, só pessoas mais velhas que eu, a única criança. O ex-cunhado e sua banda de hardcore. No meio do showzinho, numa casa antiga, pra algumas pessoas, mãos me empurraram até o palco, enquanto eu olhava horrorizada pra ele, que me estendia um microfone. Eu tremia, e ele disse "Eu já te vi cantando essa lá na sua casa, sei que você sabe a letra, canta aí!". Zombie, do Cramberries. Eu cantei tão timidamente que não lembro se alguém ouviu, e nossa, como doía o nervosismo no fundo do estômago, e eu encarava os rostos à minha frente e me perdia no inglês, e tentava fazer agudos que não saíam. Medo de acharem ruim, de ter a auto estima já frágil mais sabotada. Que menina que eu era. Criança.

Quando dei por mim, estava pedindo um violão de aniversário de 15 anos. Não uma festa, nem um vestido. Nem joia, nem banho de loja. Não. Eu queria um violão simples, um Di Giorgio,  porque queria fazer transbordar aqueles sons que eu ouvia dentro da cabeça. Peguei um caderninho e comecei a escrever, a dedilhar. 

O primeiro show da primeira banda formada foi na escola. Me juntei com alguns amigos tão inexperientes quanto eu. Ipnozy, chamava-se. Em seguida, foi a Salem, que eu formei com duas amigas e um amigo. Nós andávamos de preto, tocando Kittie, Slayer e Pantera. Nessa época eu era guitarra base também, adorava cantar e tocar, me sentia poderosa. Andava de shorts e coturno, olhos pretos de lápis, cabelo colorido, e usava umas luvas na mão que eu mesma fazia, com renda. Eu era quase uma caricatura. Eu dizia pro mundo: "eu posso sobreviver".

Amadureci. Usura, a banda onde dei vazão às minhas próprias criações, compondo e aprendendo o quanto a música te proporciona transpor barreiras. Fizemos shows em muitos lugares. Tocando, os quatro eram um só. Veio outro projeto, menor, depois. E a Bullet Cluster, minha última banda.

Eu tenho um milhão de histórias sobre isso: de lá pra cá foram nove anos, em que eu subi no palco e experimentei a sensação de ser um todo, de ser a atenção, julgada, de captar emoções. De ter uma verdadeira ligação telepática por meio da música, de olhar para o baterista e ele saber exatamente o que eu tava pensando e o que queria dele, que ele fizesse duas marcações no chimbal, que ele captasse a minha essência e alinhasse com seus próprios pensamentos, e aí, sem esperarmos mas ao mesmo tempo querendo, o baixo se transpondo, sonoro. A guitarra finalizando a orquestra. E eu vomitava palavras, gritava, chorava, sussurrava.

Quantos olhares eu não traguei, do alto do palco, até a platéia. Meninas suspirando. Homens impacientes. Pessoas incrédulas sobre o que uma menina de cabelo longo e jaqueta de couro, estaria fazendo ali, no meio de todos aqueles caras. Dos olhares de espanto no momento em que a voz gutural saía. Ou que eu afinada, entoava refrões desconhecidos. "Não sabia que você tinha essa desenvoltura, menina" Tardes de ensaio em casa, tocando no escuro com a iluminação de velas. Começar a cantarolar sozinha e terminar o dia com uma música formatada, porque eles seguiam minha deixa e a gente iniciava sessões intermináveis de sons e ruídos.

Eu era tão menina. Mas no palco, eu era sempre maior.

E o frio na barriga, e os sons vibrando nas caixas. E o bumbo que batia rápido, em sincronia pulsante com o que eu levo aqui dentro do peito. E fora, e nas pessoas, e dentro de mim e de todas elas. A gente era o palco.


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