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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Teorema do azul e rosa

Hoje eu vim trabalhar de saia longa. Uma saia azul marinho, corte reto, como essa. E camisa de alfaiate, jeans. Ares de surpresa à minha volta. "Nossa, como você tá menina!".

Eu não me incomodo, e aceito o espanto das pessoas, porque eu tô mesmo sempre preferindo as cores escuras e as roupas não tão ~menininhas~, como eu falei nesse post aqui. E tem muitos itens oriundos do vestuário masculino entre minhas roupas, como colete, camisa, jaqueta militar, bota motorcycle. Eu tenho apenas 3 saias, duas que adquiri recentemente.

Ficamos sem internet hoje, fiquei conversando com o Dani. E surgiu o assunto da imposição de gêneros na sociedade em que vivemos: o "Isso é coisa de menina. Aquilo é coisa de menino".

Isso não existe mais na minha noção de mundo, mas já existiu. Lembro especificamente de um episódio particular. Quando eu entrei na terceira série (8 anos, acho), mudei da escola pública pra escola particular. Na pública eu tinha muitos amigos, era bem querida por professores e não tinha maiores problemas. Na particular a realidade era outra.

As meninas gostavam de me "isolar" porque eu tinha vindo de escola pública. Os meninos gostavam de provocar porque eu era deliberadamente deixada de lado pelas outras. Então minha vidinha era um inferno. Eu odiava aquela escola com todas as minhas forças, e pedi pra mudar várias vezes, o que aconteceu no final do ano letivo. Mas um certo dia, um garoto que também era zoado pelos outros (porque era "feio") resolveu pegar no meu pé. E me cutucar e puxar meu cabelo, me empurrar e me seguir pra todo lado me xingando. Aí uma hora não aguentei e revidei, comecei a chutar o garoto, e eis que ele correu pro banheiro dos meninos. 

Não hesitei nem um momento: entrei lá e terminei de descer o cacete nele, como diz minha avó. Sai toda orgulhosa (e feliz por não ter apanhado de volta). E contei pra um adulto o que tinha acontecido. 

Minha surpresa principal foi ter levado uma bronca nervosa, mas não por ter batido no garoto, me envolvido numa briga. E sim porque entrei no banheiro masculino. "Você não tinha que entrar lá! lugar de macho e não de menina! daqui a pouco você vai querer mijar em pé! não pode isso, não pode, é proibido!". 

Minha confusão foi imensa. Só entendi isso anos mais tarde. 

E aos 17 anos tive uma fase de só usar quase roupas masculinas. Eu vestia calças largas imensas, tênis. Sempre top de ginástica e nunca sutiã de bojo. Passei um ano sem comprar calcinha, eu simplesmente comprava cuecas box ou no máximo calcinhas shortinho. E camiseta de banda, e nunca maquiagem. Foi uma fase? acho que sim, mas não sei se passou porque simplesmente me interessei por outras roupas, ou se sofri alguma pressão velada. Mas eu me lembro claramente de, por exemplo, comprar jeans masculinos, porque os femininos da minha numeração não faziam eu me sentir bem. Sentia que eram apertados, sempre menores do que os masculinos. Eu realmente, nessa fase, não me sentia bem usando roupa feminina. Só os cabelos compridos que são os mesmos. 

Eu de costas, primeira banda, tocando guitarra, e a eterna calça enorme.

E tenho certeza que, todo mundo, uma vez na vida ao menos, foi etiquetado e colocado na prateleira de comportamento e modus operandi do gênero no qual nasceu. Meninos de azul. Meninas de rosa. Meninos podem transar cedo, meninas não. Meninos não choram. Meninas precisam se casar. Mulheres ganham menos. Homens precisam estuprar, porque senão, não são homens.

E sabe qual o grande problema disso? Os meninos que não choram, guardam aquilo pra sempre. As meninas que não podem transar cedo, são colocadas numa redoma de vidro "pra casar" e tem suas sexualidades domadas de forma humilhante. E assim, vida afora. 

É possível uma sociedade sem distinção de gêneros? igualitária e completamente equilibrada em seus conceitos de cultura, educação, moral, leis? Sei lá. Na atual circunstância, acho que não. Mas pra começar, se meninos e meninas pudessem usar qualquer cor que quisessem, sem sofrerem opressão por isso, acho que seria um bom começo. 

PS: Nesse contexto, eu recomento o filme "Tomboy" (foto do começo do post), que assisti no Festival Mix de Cinema. É sobre uma menina que, ao se vestir e se comportar como menino para novos amigos, vive descobertas e emoções como nunca. 

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