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segunda-feira, 28 de julho de 2014

Espacinho

Desde abril que não escrevo aqui. Fico encontrando motivos: o post que necessitava de fotos, a criatividade que não veio, a falta de tempo... e aí começo a pensar em novos blogs, novos espaços, outros projetos, outros escritos. E lembro que aqui, o mais básico e simples de todo, o meu Menina Lyra, tem faltado um certo zelo.

Eu havia escrito um post muito especial sobre a relação minha - e das mulheres que conheço, as de verdade - com seus corpos, mas talvez, por motivos que eu nem quero falar agora, talvez tenha que reescrevê-lo. O fato, é que eu voltei. E estava quase colocando as amarras de sempre em mim quando me dei conta e parei no último instante e pensei "preciso voltar às raízes".

O fato é que sempre que eu preciso desabafar, refletir, me expor e ao mesmo tempo me desconstruir, é nesse espacinho com esse template bobo e simples de um gato de óculos - é aqui que eu venho.

E eu voltei. Junto com as reflexões. Mais sinceras dessa vez.

Eu prometo. Pra mim mesma, aos mesmos. Ao menos.

*



Morreu Ariano Suassuna também. Fiquei triste. O sertão chorou feito Macondo quando Gabo se foi. O mais triste foi o jornalismo que matou ele antes da hora. As vezes eu me pergunto se escolhi a profissão certa ou se a profissão é que se perdeu na escolha. Mas isso é assunto pra depois. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O adeus a Gabo

Me faltou um pouco de coragem pra falar da morte do Gabo. Ele é meu autor favorito. Não tem outra pessoa na ~listinha~ no número um. É claro que gosto de centenas de escritores e escritoras, mas ele... doeu.

A televisão da redação ligada na Globo News. Eu concentrada na edição das páginas do dia. E alguém vira e fala "Gabriel Garcia Marquez morreu". Meu grito cortou a redação e eu fiquei em pé num rompante. Os olhos ficaram meio úmidos. Cabeça ficou zonza. As pessoas vinham falar comigo coisas cotidianas e eu não conseguia assimilar. "Deu no El País", alguém completou.

Abri imediatamente a notícia e li assiduamente. Um longo obituário. Continuava doendo. Abri imediatamente o bloco de notas e comecei a escrever a minha última homenagem à Gabo. Virou uma matéria:


Cheguei em casa pensando em falar pro meu pai: "Pai, o Gabriel morreu". Ele ia entender na hora, porque esse é nosso maior e melhor vínculo. Meu pai me deu um livro velho e encardido chamado "Cem anos de solidão" pra ler quando eu tinha 13 anos de idade. Eu conclui a leitura em pouco mais de três dias, numa tarde chuvosa e cinza como qualquer uma daquelas em que choveu anos sem parar em Macondo.

Eu nunca mais fui a mesma depois que li esse livro. Isso eu sempre tive muito claro pra mim. Sei que, quando ele partiu, choveu novamente em Macondo. Borboletas amarelas pousaram no resto túmulo de algum Buendía que sobrou do furacão.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Um pouco mais de Frida, por favor

Cidade do México, 
14 de abril. 

"Por 50 anos, o banheiro do quarto de Frida Kahlo permaneceu trancado após sua morte, na casa onde hoje funciona um popular museu na Cidade do México. O espaço só foi aberto há dez anos, revelando diversos baús de objetos íntimos, como cartas, fotografias e vestidos coloridos. 

Enquanto as correspondências viraram livros sobre a artista mexicana, seu guarda-roupa e suas fotos vão aos poucos chegando ao público. "Ela usava estes vestidos tradicionais para fortalecer sua identidade, reafirmar suas crenças políticas e para esconder suas imperfeições", diz a curadora Circe Henestrosa. "Seus amigos mais íntimos contam como Kahlo tinha um cuidado especial ao escolher o que vestir, dos pés à cabeça, com as mais lindas sedas, laços, xales e saias". 

A exposição traz também aparatos médicos que a artista precisava usar por conta de suas doenças (primeiro pólio e depois um acidente num ônibus). Há uma prótese de perna com uma bota de cano alto vermelha e um espartilho feito de gesso, decorado com uma foice e um martelo. 

Foi o muralista Diego Rivera (1886-1957), marido de Kahlo (1907-1954), que havia dado as ordens para manter o banheiro fechado por 15 anos após a morte da artista. Mas a mecenas Dolores Olmedo (1908-2002), amiga íntima de Rivera que tinha ciúmes de Kahlo, conseguiu manter o lugar lacrado por mais tempo. "É como sentar em sua sala de estar e folhear seu álbum de fotos. É muito pessoal", disse o presidente do museu, Stuart Ashman". 

Campo Grande, 14 de abril. 

Frida, Frida, Fridinha, com suas flores na cabeça e seu olhar desafiador. Hoje você fez meu dia menos cinza com essa notícia, de que um dia, quem sabe, eu posso chegar perto dos seus vestidos rodados, das próteses que fizeram você sofrer e também de pequenos mimos que fizeram parte de você. 

É que agora Frida, eu sou editora. Trabalho mais, tenho mais responsabilidades, e amo o que faço. Consigo por em prática tudo que imaginei ser possível durante um ano que fui repórter. Consigo construir, no dia-a-dia, toda a logística que acho válida dentro do caderno de cultura. Mas tem dias cinzentos pra essa jornalista que escreve. Tem dias difíceis, e não pela pauta ou pelo trabalho, talvez por outras coisas. Dias que a única coisa é sentar e trabalhar, e que você sente que não tem mais nada na sua vida tão coeso. Que suas responsabilidades são sua âncora, e que você se sente meio oca. A garganta dói, a cabeça perturba, os pensamentos assombram. 

Abri o site da agência e lá estava você. Segui buscando uma imagem para ilustrar a reportagem e minha retina ficou perturbada ao olhar tantas e tantas fotos suas, linda, esplêndida, as flores, a saia, os seios, tudo. E abri outros sites, outras reportagens, e mais imagens, e seus quadros, e tive quinze minutos de contemplação. Mais Frida no meu dia, por favor. Mais suas cores em mim. 




(A matéria é da Folhapress)

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Venha dançar você até o fim

Tenho vivido um turbilhão. Ou turbilhões, e são tantas coisas vindo de tantos lados que escrever virou uma mera atividade cotidiana e automática. Eu amarro as palavras, dou um laço nas letras, amasso rascunhos, e devolvo folhas em branco. Dentro de mim permanece uma grande mancha de tinta. Faz tanto tempo desde que escrevi pelo mero prazer de externar aquilo que sentia aqui dentro. Um bom tempo. 

Sempre penso nisso, todos os dias, enquanto costuro teias e mais teias de hipóteses e teorias dentro da minha cabeça. Penso nisso segurando meu copo de vodka, enquanto raspo minhas botas de R$ 50 no chão nervosamente. Essas mesmas botas que eu uso todos os dias, que não tiro nunca. Isso me consome e arde junto com o gole, que desce pela garganta e eu queimo nisso. E penso nisso quando deito a cabeça no travesseiro e me lembro de um monte de coisas que eu nem queria lembrar. 


Fico tentando me recordar quando foi que eu permiti me deixar perder em essência. Em que ponto eu fui deixando de lado essa minha expressão vital. E quando é que eu vou retomar. Sinceramente? não sei. Não quero saber. Tenho raiva de quem sabe. Porque no dia que eu me cobrar disso, aí não vai fazer mais o menor sentido. 

. faz tempo esse som vem zunindo bem longe além dos suspiros . 

Minhas mãos estão travadas no escuro e eu me sinto dentro de um pesadelo. O de sempre, os gritos, a angústia, o pavor, o medo. O corpo paralisado. Tento abrir os olhos mas eles estão tão congelados quanto meus ossos, presos à cama. Mas aí de repente não é mais real e eu abro os olhos. É outro tempo. É outra vida. 

É como se não houvesse, dentro de mim, o que machucar, nem esses sonhos surreais e esse terror que eu sinto de vez em quando dormindo. Não, ainda há alguma coisa, mas é só um... cansaço. Até nos ouvidos escutam as conversas das torres. Até dentro da minha cabeça eu escuto um zumbido indefinido e que já parece fazer parte de mim. E é nesse zumbido que eu sei que março chega, que eu preciso reconstruir todas as coisas que sinto. Inclusive escrever. 

. pra quem perdeu o sono na velocidade do tempo, que zarpa e cala. 

E faço isso aos poucos, me reconstruo e reconstruo minha escrita, meu ar, de mansinho. No meu tempo, no meu próprio ritmo vital. É pra não me perder na correnteza de novo. 


domingo, 12 de janeiro de 2014

Sobre erro e preconceito

Por três anos da minha vida, na época em que eu fazia jornalismo, eu trabalhei com algumas meninas de Campo Grande pra tentar, de um jeito eficaz, ajudar uma porção de gatos de rua que cruzaram nosso caminho. Acolhi alguns em casa pra desespero dos meus pais, vi gato atropelado, famélico, judiado, abandonado. Simples assim, vidas descartáveis. As protetoras e protetores davam tudo que tinham e o que não tinham pra diminuir a estatística de abandono, recolhiam o animal, castravam, doavam. Tudo do bolso delas, dependendo de doações, mas sem desistir. Parei por umas simples razão: era isso, ou a minha saúde. Tem que ter estômago pra lidar com proteção animal. Precisa, como diz a Bia da Gatoca, ter um travesseiro à prova de lágrimas. Eu fiz o que dava e pensei, vou acabar ficando doente. Não é pra qualquer um defender uma causa assim, mas não só da boca pra fora: exaurir a própria saúde por um bem maior. E eu não vou nem começar a falar das críticas que as meninas ouvem até hoje, que na verdade não ajudam em nada. Quem critica não sabe o que é 1% daquilo. 

É por isso, entre outras coisas, que na sexta-feira, quando eu vi uma matéria em um site local com a manchete: "Após 1 ano sem morte, doença do gato faz a primeira vítima em MS", eu não me contive. Deixei um comentário no site, e o comentário não foi aprovado. Acho que nunca um comentário meu nesse site foi aprovado, exceto um ou outro elogioso. Então postei no meu perfil do Facebook a crítica e o link. A matéria também era sofrível por várias razões e culpava os gatos pela morte da menina de forma subjetiva no decorrer do texto, sem explicar muito bem a causa real da morte dela. Alguns pontos foram omitidos, como o fato de que a jovem era portadora do vírus HIV e recusava tratamento. Aliás, se eu for entrar nesse assunto como um todo, esse post vai ficar gigantesco. Enfim, doeu ver essa reportagem porque naquele instante pensei: daqui a pouco começam os abandonos.

Cerca de quatro ou cinco colegas de profissão do veículo vieram dizer que eu fui anti-ética de explanar na minha rede social minha crítica. Que eu deveria ter dado um 'toque' na repórter por conhecer o ritmo da redação, saber o quão punk é trabalhar com isso. Que eu deveria ter sido 'ética' porque um dia posso 'vir a trabalhar lá e não devo fechar portas'. Que foi um 'erro' e que eu, repórter, também posso 'errar'. Pois bem. Não.

Erro, acidente de percurso. Eu erro sempre, sempre. Semana passada eu fui esculachada por uma fonte porque escrevi que ele tocava 'rock com pegada blues' e na verdade, segundo a fonte, é 'blues com pegada rock'. Erro, engano. A gente tá passível disso, sim. Agora, dizer com todas as letras que 'doença do gato' mata uma pessoa de forma alarmante, sem levar em conta todo o resto, sem explicar direito que a toxo é transmitida ao ingerir as fezes do gato, e que comer carne bovina e verdura mal lavada é a forma de contaminação real, e ainda repetir 'doença de gato' várias vezes na matéria? cinco minutos de pesquisa no google e tudo teria sido esclarecido. Isentar a própria culpa, culpar a pressa, culpar o editor. Algumas vezes todos esses fatores tem culpa sim. Nessa matéria provavelmente também, a repórter deve ter sido prejudicada por vários fatores ao redor dela. Mas não dá mais pra gente se isentar de responsabilidade.

A consequência, infelizmente, foi aqui fora.

Ontem à noite uma protetora conhecida me chamou por inbox e disse: "acabei de recolher dois gatos abandonados pelos donos, que disseram ter visto a matéria e que não queriam morrer de toxo". Uma era uma gatinha que havia recém parido 6 filhotes. A protetora recolheu ela e toda a ninhada, mesmo sem espaço e sem lar temporário. O outro gato foi de um senhor morador de um prédio luxuoso. Era do filho dele, de 6 anos. A criança chorou desconsolada na porta do edifício e o pai disse "eu li aquela matéria e não quero arriscar a vida do meu filho".

Critiquem à vontade. Mas meu pensamento o tempo todo estava com quem vai lidar com as consequências reais do jornalismo, aqui do lado de fora da redação. Naquele momento, eu não tive a menor empatia pelo repórter por dois motivos: primeiro, nosso empregador é o primeiro de muitos. Segundo: eu sabia exatamente a consequência daquela matéria, e sabia que aquele erro foi por uma mera falta de pesquisa. Poderia ser diferente. E eu continuo sendo repórter. Não dá mais pra pensar que eu estou acima de tudo porque eu sou jornalista. Meu texto é a minha maior arma. Machismo e preconceito não serão mais tolerados, porque esse tipo de coisa não é um mero e simples erro de percurso. Vamos analisar melhor nosso discurso e sair dos lugares comuns, e tem que ser já. Nosso empregador não vai fazer isso pela gente. Em tempos de passaralho, é hora de parar de se isentar dos próprios erros e assumir, de frente, que nós temos responsabilidade pelo que escrevemos.

Não dá mais pra nós, que somos os formadores de opinião, continuarmos nos isentando da responsabilidade dos nossos atos. Simplesmente não dá.