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sábado, 7 de julho de 2012

Se eles não aprendem, a gente ensina


Ano passado eu estava completamente submersa no case de um grande evento de arquitetura e design, então não participei da assessoria de imprensa de um festival de cinema voltado para o público LGBT, que se tornou cliente da agência e retornou esse ano, mas agora sou uma das assessoras, e confesso que esse trabalho tá me dando um orgulho enorme.

Renato apresenta e eu fico ali de assistente de palco. (Foto: Alline Romero) 

Se na faculdade a gente aprende que é preciso ser isento, imparcial, a vida mostra que isso é história pra boi dormir. Os discursos são muitos, e o que mais se vê é galera apontar o dedo na sua cara quando se defende que a gente é, antes de jornalista, humano, cheio de medos, preconceitos, traumas. E que não existe isenção, é impossível. Imparcialidade é ficar quieto. Não existem veículos imparciais, ainda mais em função do dinheiro que move a indústria da informação.

O problema da defesa dos direitos de gays, lésbicas, travestis, de negros, de índios, de mulheres e todas as minorias (e elas são muitas), é a gente confundir, no jornalismo, liberdade de expressão com escrotisse generalizada, geralmente respaldada por religiões em geral e bancadas evangélicas. Isso sim, na verdade, é o problema.

Cris Stéffany, presidente da Associação dos Travestis e Transexuais.
Foto: Alline Romero. 
Eu me sinto orgulhosa da agência onde trabalho, porque quando aceitamos ser a assessoria de imprensa do evento em 2012, propusemos ao cliente que se fizesse um workshop para jornalistas, principalmente sobre nomeclaturas. É 'a' ou 'o' travesti? e todas as gírias oriundas das ruas, onde essas pessoas estão marginalizadas? Quase ninguém sabe que existe um manual de redação LGBT (Clique aqui e veja em PDF). E que não existem veículos de mídia (revistas, sites) voltados para a mulher gay, independente de estereótipos e padrões. Misoginia? dentro de um universo de minorias? sim, isso existe. Talvez muito menos velada do que é no mundo heterossexual de revistas que só sabem estampar "1001 jeitos de agradar seu marido".

O workshop foi muito corretamente batizado de "Abordagem na imprensa gay: desafios e oportunidades", porque reflete o que queríamos passar: jornalistas, aprendam! O desafio existe, então que a gente busque atingir esse público, da forma certa, da forma respeitosa, da forma não imparcial, mas sim inteligente. E porque não movimentar essa indústria, oportunizar mídia, democratizar, abordar? E sem preconceito, isso é o básico.

Público lotou duas salas de cinema na estréia do filme francês 'Tomboy'. 

Ser jornalista hoje em dia é burlar a extrema deturpação da notícia. Por exemplo, não é proibido fazer uma matéria entrevistando um heterossexual qualquer que afirma que é liberal, afinal, adora os gays, o moço que corta o cabelo dele é viado! ele é muito liberal, mas ele não quer ter um filho gay, imagina, seu filho gay, e inclusive, é grande apoiador de decreto legislativo 234/11, que obriga o conselho de psicologia a permitir que profissionais tratem a homossexualidade como doença e forneça a "cura". Não, não é proibido. Ninguém vive de mordaça. Mas é uma deturpação sem precedentes da realidade utópica, a ideal, o mundo que a gente tenta criar, ou pelo menos eu tento, que é desconstrução desses medos, estigmas, enraizados há milênios na nossa concepção social e de vida em comunidade.

Já vi notícias que falavam que alguns heterossexuais afirmavam sentir a tal 'heterofobia'. Também já vi brancos reclamando das cotas para negros em faculdade, já vi pessoas sem nenhuma deficiência física reclamando de ter que ceder sua vaga para um deficiente. E o pior, as matérias tinham como tendência levantar essas 'bandeiras'. Vem cá, amigo(a) jornalista: pense um pouco. Pense nas minorias. Se você é hetero, pense como é bom poder beijar sua namorada ou seu namorado em público, andar de mãos dadas, sem ser linchado ou no mínimo receber olhares hostis. Sem ser representado na novela como um ser caricato e completamente fora da realidade, e tantos outros absurdos, ser chamado pejorativamente de todos os nomes possíveis numa voz uníssona de ódio. E então a gente evita reportagens revoltantes, e assim, eventualmente, todos aprenderão. A gente, os disseminadores da notícia. Eles, a sociedade. Todo mundo.

*** O Festival Mix Brasil de Cinema continua rolando, aqui, em Campo Grande.  
Hoje estarei lá, firme e forte na assessoria de imprensa. 

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