Há vários meses que o preenchimento do ócio tem sido uma espécie de luta interior, quando notei que tendia ao tédio e ao mau humor level 85 quando passava tempo demais sem fazer nada; ou seja, eu passo as semanas correndo feito louca, e quando paro, bate uma bad trip. Não precisar dedicar parte da rotina pra alguém aumentou muito esse ócio. Quando o corpo já descansou, a preguiça já fez uma visita, o serviço doméstico está em dia e a Pan não quer mais ganhar carinho, começa o circuito do tédio. Notei logo que muitas vezes não dá pra ver os amigos e fazer programas divertidinhos, que o facebook está cheio de imagens sacais e memes sem graça, e que televisão nem pensar (livraimedatv plmdds). Então comecei a me abastecer de livros, filmes e seriados.
Eu nunca tinha ouvido falar de Lisbeth Salander, até um ano atrás, quando o Renato chegou um dia na redação numa segunda-feira anunciando "Gente, assisti um filme animal esse fim de semana, sueco. Chama 'Os homens que não amavam as mulheres'". Não dei a menor bola, assumo, até David Fincher adaptar a obra do escritor e jornalista Stieg Larsson para a telona. Fui, assisti, amei. Gostei de Rooney Mara como Lisbeth, achei a caracterização inteira do filme perfeita. Passei dias pensando sobre o que havia assistido.
Com um tempo de delay absurdo, resolvi ler a trilogia Millenium, depois de topar com o primeiro livro, durante uma viagem. Há alguns dias meu sono tem sido roubado por páginas e mais páginas de Lisbeth, Mikael e todos os homens que certamente não amam as mulheres.
Me encontro no livro número 2, "A menina que brincava com fogo", e acho que ele é ainda mais tenso do que o primeiro. Estou na metade, e comecei há dois dias atrás, lendo com avidez em todos os intervalos possíveis, preenchendo o ócio mais do que necessário. Na primeira obra, "Os homens que não amavam as mulheres" (nunca entendi essa tradução de título, quando na verdade, em inglês é 'The girl with the dragon tattoo'"), o mistério começa girando em torno da desaparição de Harriet Vanger e de um inimigo invisível, que aos poucos começa a mostrar claramente que está de olho na investigação que Mikael e Lisbeth estão conduzindo na família de industriais Vanger. Já no segundo, é o passado de Lisbeth que vem à tona, e seus inimigos são claramente marcados, e a cercam como um bando de chacais. Lisbeth está na mira, mas ela está sempre um passo à frente.
Depois de Lisbeth, meu personagem favorito é Stieg. Sim, pois para mim, Mikael é sua versão romântica e pitoresca, chega a ser um alter ego. As semelhanças são muitas, entre o jornalista autor dos livros e o jornalista da ficção. E eu tenho gostado demais como Stieg, sutilmente entre as linhas, dissemina pensamentos feministas, sobre como a mulher é brutalizada todos os dias, não só na Suécia. Como seu papel social é deveras rebaixado, e como os julgamentos sociais pesam uma tonelada quando se é mulher. Lisbeth, como disse a jornalista brasileira Eliane Brum em um texto muito bom sobre o assunto, é o ícone literário que designa uma geração. Mas acho também que ela nos representa: toda mulher tem uma história de horror, já sofreu algum tipo de discriminação, já teve seus atos julgados por uma sociedade massacrante, já foi vítima de recalque alheio, de algum tipo de violência moral ou física, da mais sutil à mais horrenda. Eu, você, sua mãe, suas tias todas, suas amigas. Todas nós temos essas histórias pra contar. E se não tivermos, basta abrirmos algum jornal. Com certeza encontraremos vítimas entre as páginas. Mulheres.
Me vejo um pouco refletida em Lisbeth, e ao mesmo tempo quero ganhar sua afeição e confiança, porque ela tem a minha, inteiramente. Sua liberdade me fascina. As linhas de Stieg me fisgaram. Quero chegar ao fim da obra, mas temo pelo seu fim, por findar algo tão prazeroso. Tenho certeza que quando fechar o último livro da obra, vou sonhar com a garota magricela com a enorme tatuagem de dragão no corpo.
Artigo ótimo de Eliane Brum para a revista Época "Porque amamos Lisbeth Salander".
Coleção da trilogia Millenium.
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