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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Obrigada e boa noite

Mal esfriou o corpo e eu já me sinto pequenininha de novo. Uma nada, um grão diminuto de areia. E sobre esse mesmo corpo pesa a decisão tomada ontem. Decisões, amarras, mordaças. Vontade de deixar que alguém escolha por mim. Que me vista de manhã para o trabalho, que sorria insossa aos cumprimentos de bom dia. A contrariedade e o peso reverberam muito alto nos meus ouvidos. 

'Pra mim já deu, já bastou. Cansei de sofrer'. As lágrimas ficam incontroláveis enquanto eu redijo bravamente as palavras finais. Parece certo, o caminho. Conto e reconto mentalmente os inúmeros motivos. "Você estava sofrendo, carente, triste; você não merece isso; você consegue fazer melhor; sua vontade importa, seus sentimentos importam" e muitos outros, milhares deles. Transbordo de tristeza, renuncio a tudo e a todos e me isolo. Chego, durmo, espero. Acordo às dez da noite com gritos e sapateio da família, sinto raiva e vontade de dar um soco na parede de concreto e ver minha mão se estilhaçar. Que raiva, de tudo. "Porque as coisas são assim? Porque todos à minha volta são abundantemente felizes e só eu e apenas eu me encontro nesse estado de miséria?". Vontade de sumir no tempo. Lágrimas voltam, ensopam o travesseiro que nem bem secou. 

"Ninguém é infeliz; as pessoas encontram as outras, mas eu permaneço sozinha; nada do que eu faço é certo e eu não sei o que fazer com esses sentimentos". Engulo o soluço, afundo o rosto, conto mentalmente. Um, dois três, mil, três mil quatrocentos e setenta. Doze mil, setecentos e noventa e nove. Ligo o ar condicionado pra fazer barulho apesar do frio congelante e sufocar a orquestra sinfônica que retumba na minha cabeça e canta alegremente 'solidão! solidão! você tomou a decisão errada!'. 

E se eu tomei a decisão errada?

E se eu fui fraca? 

E nada. Mais nada.  Não existe mais nada.

Acordo, visto o pé trocado do sapato. Fico imóvel alguns minutos sobre os lençóis, tentando me lembrar do que me perturbava, e não preciso me esforçar muito. Em um primeiro instante, certa confusão mental. Depois tudo volta muito claro, e sinto imediata vontade de voltar pra debaixo das cobertas. Me recordo do que era bom e me sinto absolutamente saudosa e dolorida, como se tivesse levado uma surra e não dormido doze horas seguidas. Como se tivesse sido arrastada por um veículo em movimento e minha alma, não meu corpo, sentisse as feridas e os ossos quebrados. 

Suspiro. 

E se eu tomei a decisão errada, não dá mais tempo. Outra ponte queimou. Não resta muito mais, além de mim mesma. Resignação. Viva com isso, garota. Mas não seja forte, não se cobre isso, é a nova voz dentro da cabeça. A saudade aperta, esmaga as entranhas, mas a voz repete, você é uma sobrevivente. Vai superar o que tiver que ser, mesmo que morra tentando. 

Isso eu sei. 
O corpo volta a esfriar. É um novo dia. Mais um. 

PS: Obrigada por ter me amado.

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